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24.5.13

Oração Insubordinada [ou] Saber querer


Um dias desses participei de um seminário/congresso de Aikidô (arte marcial japonesa que estou praticando e pela qual me apaixonei perdidamente)

Num resumo rápido, o Aikido tem como princípio a não agressão. É uma arte que visa retirar a violência do atacante, utilizando o movimento dele para neutralizá-lo.
Durante o seminário, um grande mestre falou que para encontrar a harmonia em sua técnica é necessário, dentre outras coisas, treino, controle da respiração e oração.

"Oração? Qualé..." logo pensei.
Sou chegado em religião enquanto encontro, (re)ligar-se a si e aos outros mas não sou dogmático.
Então pensei em como me apropriar do que ele dizia, nos meus termos.

Oração.
Comumente se pensa em oração como pedir algo pra um deus.
Mas tirando o elemento "Fazer um pedido para uma força externa", orar é falar.
Você pensa em algo que quer que aconteça e transforma em frases.

Gramaticalmente "oração é todo conjunto linguístico que se estrutura em torno de um verbo ou locução verbal, apresentando sujeito e predicado. O que caracteriza a oração é o verbo." Fonte: Wikipédia) 

Se pensar em oração como "falar para si mesmo que se quer fazer", começo a aceitar como a oração pode nos fortalecer.
Repetindo o que se quer melhorar em si, o que falta pros seus dias.
Oralizar o que pode te fazer bem.
Achando quais verbos faltam.

Viajar
Trabalhar com algo diferente
Festejar
Cozinhar
Se encontrar com outras pessoas
Ouvir música mais alto
Comprar uma rede
Um girassol
Ler um livro novo
(Saramago é ótimo)
Aprender uma língua
Não ser ciumento
Beber mais água
Vencer um medo
Se dedicar à família (a de sangue e a de suor)
Andar mais a pé

Enfim...
Bora orar?

Esfarrapando


Um pedido de desculpas só é válido se também for uma promessa (pra si ou pra outro).
Se ela é cumprida ou não, aceita ou não, é outra história.
Se não for assim, "desculpa" é só aquela palavra que normalmente se diz depois de fazer uma cagada.
Um pacto de mediocridade.

E não só

Li num cartaz:
"O amor é sexualmente transmissível"



16.5.13

Como uma mordida no pulso


Projetada na mocinha do filme.
No seio que brota numa cena violenta.
No beijo dos apaixonados.
Canta muda num passeio pela livraria e só ele com cara de tempestade na sessão de livros infantis.
Relembrando de um pedaço de passado em que o toque não se fez bem vindo.

Mas nada disso importava.
Ele só estava com saudade de fazê-la gozar.






Bons sonhos

Um dia tive uma epifania:
Um sonho bom é uma das coisas mais bonitas de se desejar pra alguém.
Não é como desejar saúde, emprego ou qualquer outro lugar comum da felicidade.
Os sonhos são muito particulares, íntimos.
Cada um sabe o que é bom pra si.

Desejar bons sonhos é dizer: te desejo um bom encontro com seus desejos.
Te desejo o que você quiser.


Que nesse universo que te pertence (mas que você não controla plenamente) você tenha bons encontros, com o que sabe de si e com coisas que você nem sabe que quer mas que te marcaram inconscientemente.


Revise o que precisa.
Perca o controle.

Descanse.

Voe.

Bons sonhos.

12.5.13

Malhando a poesia


Um dia desses, fui junto com o Corposinalizante (um grupo de poesia e e performance com uso de Libras - Língua Brasileira de Sinais) no ZAP (Zona Autônoma da Palavra) um sarau/batalha de poesia organizada pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos.
Não participei da batalha em si (os participantes são bem "afiados") mas, inspirado pelo que ouvia, me arrisquei a rabiscar umas coisas pra recitar na hora do "Microfone Aberto"
Segue abaixo (com pequenas alterações do que fiz lá)



A batata da perna, amigo, é um músculo.
Você anda, corre, sobe escada, desce.
Ela se cansa, amigo, mas fortalece.

O muque do braço, amigo, é um músculo.
Você pega peso, nada, luta, leva no colo o filho que cresce.
Ele cansa, amigo, mas fortalece.

O tanquinho, o lombo, a coxa, o glúteo, 
enfim, de exemplo mais não carece.
depois de muito trabalhar o resultado aparece

Na análise mais simples, o coração também é um músculo.
Você ama, 
sofre, 
se machuca, 
ama de novo, 
manda flores, 
ouve nãos, 
perde mãe, 
se desnuda,
se entrega, 
é enganado, 
ama mais, 
mais, 
mais,
é deixado de lado,
não se esquece.

E o coração?
O coração cansa, amigo. Mas fortalece.

Eu falando e Érika interpretando em LIBRAS

6.5.13

Friedrich usando Sazon [ou] O Eterno Retorno do Amor.


O amor tem sido o tema dos meus dias.
Incessantemente enrolo e desenrolo esse assunto na minha cabeça, falo um pouco sobre pra olhar de fora, pinto de azul, ponho de cabeça pra baixo.
Tenho cá pra mim que a falta de amores é o que gera a violência, os egoísmos, as ilusões, desencontros e afins.

Amores não só objetos de amor, como também momentos de amor, amor próprio,  encontros de amor (sexuais ou não) que não precisem ser enquadrados ou registrados.
Recentemente me afastei de um grande amor e isso tem me feito repensar bastante coisa.

Entre as dores pelo afastamento forçado pra ferida cicatrizar, não deixo de pensar no que uma amiga me disse: "Amar o amor. Mais o verbo que o sujeito".

Me equilibro nessa busca por amar minha capacidade de amar e produzir amor,vendo como ele vai regenerando a si mesmo.
Trouxe isso para o meu trabalho de ator, falo disso sem parar.

Pra tentar semear um pouco mais dessa planta vital, separei uma das histórias relatadas por Roberto Freire, no seu livro Ame e dê vexame (ver mais na página Pensamento) que me parece um bom pontapé inicial para respeitar e se deleitar com o próprio amor.
Amem.


Maria do medo de amar às portas da vida.

- Meu nome é Maria. Não sei como se faz psicoterapia.
- Diga o que está sentindo agora.
- Meu único problema, doutor, é o medo.
- Nós só temos um problema real: o medo.
- Eu tenho medo de amar.
- As outras formas de medo são mecanismos de defesa e sobrevivência animal. A pessoa humana tem um medo especial e original: o de amar.
- E amar é a única coisa que realmente me interessa.
- É o amor e não a vida o oposto da morte. Precisamos distinguir entre estar vivo e morrer.
- Claro, não estou viva porque tenho medo de amar.
- Você não está morta porque o amor é única coisa que realmente lhe interessa.
- Precisamente por isso decidi fazer psicoterapia.
- Precisamente por isso, estou certo hoje, decidi ser psicoterapeuta.
- Então os psicoterapeutas entendem de amor?
- Não. Os psicoterapeutas entendem de amor tanto quanto qualquer pessoa. Eu tenho tanto medo de amar como você.
- Como pretende me ajudar?
- Tenho muitos mais anos de medo do amor que você. Acho que aprendi alguma coisa enfrentando esse medo.
- E já amou?
- Muito.
- Como?
- Como estou tentando e temendo amar você agora.
- Eu não vim aqui pra amá-lo e ser amada pelo senhor.
- Então perde o seu tempo aqui. Quando você chegou, a primeira coisa que fiz foi perguntar-me se queria e podia amar você. Logo senti que sim. Então comecei a sentir medo. E isso provava que já a estava amando.
- Estou começando a sentir medo do senhor.
- Como é esse medo?
- É difícil de explicar.
- Não explique. Descreva apenas o que está sentindo. Esqueça a palavra medo e descreva as sensações e emoções que sente agora.
- Como o senhor falou que me ama, de certa forma eu me sinto vulnerável, em risco. Como se tivesse que me defender do senhor. Como se de repente fosse me atacar. Sabe, estou quase chorando.
- E suas mãos estão tremendo.
- O coração bate forte. A cabeça está tonta. Tenho o corpo todo contraído. Quero ir-me embora daqui.
- Fugir de medo. Por que não vai?
- Não consigo me mover!
- Por que então não chora?
- Não quero, não quero!
- Agora você está de olhos fechados e abraçou o peito com os braços.
- Pare de falar, por favor!
- Chore de uma vez, por favor!
- Eu gosto!
- Isso. Deixe o choro vir todo. Assim, relaxando o corpo. Grite se quiser. Mais alto, mais alto!
- Eu quero... eu... eu gosto... eu gosto... eu... eu quero... quero... Eu gosto do senhor... eu quero gostar de você...
- Você não está tremendo mais.
- O que foi que aconteceu?
- Você chorou o que tinha para chorar. Está se sentindo melhor agora?
- Não sei. Não consigo olhar para o senhor.
- Você tem agora o rosto mais tranqüilo. Ainda sente medo?
- Não. Sinto vergonha.
- Entendo. Você agora me parece uma pessoa mais agradável de se ver. Talvez tenha vergonha disso.
- Chorar é uma coisa feia.
- Conter o choro é o que nos torna feios. Chorar é uma função biológica. Precisa ser satisfeita. Uma pessoa esfomeada é uma coisa muito feia de se ver.
- Queria muito poder olhar de frente para o senhor.
- Eu estou me sentindo muito bem, depois que você chorou. Eu também estou aliviado e com muito menos medo de gostar de você.
- Por quê? Só porque eu chorei?
- Não é pouco o que você fez. Eu sei com é difícil poder chorar e rir sem medo, sem vergonha.
- E o que acontece quando se perde o medo e a vergonha de chorar e de rir.
- Talvez no fim do choro e do riso todo da gente esteja o começo da nossa capacidade de amar.
- Acho bonito isso que o senhor disse e estou com vontade de olhá-lo de frente. Mas me responda uma coisa: o senhor chora na frente dos outros?
- Sabe, eu chorei agora, quando disse que no fim do riso e do choro todo da gente talvez esteja o começo da nossa capacidade de amar.
- O senhor não usava óculos:
- Sim. Tirei-os para que você pudesse ver melhor os meus olhos.
- Parece que estou vendo agora o senhor pela primeira vez. Parece uma pessoa completamente diferente.
- De certa forma isso é verdade. Perdi, agora com você, mais um pouco do meu medo de amar.
- Mas como é o seu amor?
- Com cada pessoa ele é diferente. Só a energia é a mesma. Acho que não existe amor genérico. Posso lhe dizer como é agora o meu amor por você.
- Acho que vou sentir vergonha e medo de novo.
- Porque, certamente, você confunde o sentimento com a posse. Talvez você sinta que devemos possuir as coisas e as pessoas que amamos.
- Sim, é isso. E como, então, podemos satisfazer nosso amor?
- Só existe uma forma de amor que implica a posse provisória dos corpos das pessoas: quando o amor pede sexo para se completar. E, assim mesmo, não chega a ser posse a relação sexual. Depois do orgasmo, os corpos necessitam estar separados um do outro. Eu sinto que é sempre mais prazeroso e mais bonito o amor em mim quanto menos me sinto possuidor das pessoas que amo e quando essas pessoas se sentem menos possuídas por mim. No sexo e nas outras formas de amor também.
- Mas o sexo é importante.
- Para quem está insatisfeito sexualmente. Você, agora, tem vontade de chorar?
- Não. E não sinto medo nem vergonha. Pode dizer como é o seu amor por mim.
- Eu não sinto atração sexual por você. Eu não sinto pena de você. Eu me senti e ainda estou me sentindo muito bem a seu lado. E quero conhecer o que está do outro lado da porta...
- Da porta?
- Do seu medo de amar. Parece-me que o seu medo é o de possuir e ser possuída. Enfim, alguma coisa muito forte dentro de você impedindo que possa tornar alguém objeto ou ser objeto de alguém. E, sabe, eu acho isso muito bom, uma coisa muito saudável. Talvez a intuição da existência disso em você é que me tenha levado a sentir logo que gostava de você.
- E o que seria essa coisa?
- Você vai descobrir. Eu sei como ela é em mim. Veja: vivendo numa sociedade regulada pela posse das coisas e das pessoas que se transformam em bens de consumo e de status, que se transformam em instrumentos de poder – os que não se conformam em possuir e em ser possuídos só podem mesmo viver amedrontados e envergonhados. Se for assim com você também, garanto que não será fácil resolver seu problema só com psicoterapia.
- Mas tem solução?
- Amar livremente o nosso amor não-apropriador de pessoas e coisas é uma forma muito perigosa de viver.
- E quem temer esse perigo?
- Será apropriado por alguém ou por instituições que esses entes controlam. E não vive, quer dizer, entrega sua energia vital para eles.
- E como funcionam essas apropriações?
- Quando nos inoculam, desde cedo e permanentemente, o medo e a vergonha de sermos nós mesmos, de vivermos ampla e livremente o nosso amor não-apropriador.
- Sabe, doutor, eu sou casada e tenho dois filhos. Estou sentindo uma coisa muito forte e muito bonita agora. Estou sentindo muito amor por meu filho mais velho. Ele nos tem criado muitos problemas. Saiu de casa, largou os estudos. Sabe o que estou sentindo, doutor? Ele se parece muito com a gente.
- A gente?
- Sim. Comigo e com o senhor.