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5.2.15

sendo/senda/sendo-a

(Palavras escritas em 2012, que me remexem de volta)

O mundo diz que ela atropela as coisas.
O mundo que vê cada um dentro de uma caixa colorida de uma marca, rodovia veloz e quem vem de través vira cachorro morto.

E ele que só vai a pé, vive errando os caminhos por aí.

Ela que não sabe como vai, erra por vez, tem vez que não.

Ele que quando vê o tempo esfriando acende um fósforo e acha o suficiente, que sai de bermuda, de saia, de casa em casa e que vai acabar morrendo de frio ou de atropelamento.

Ela não quer fazer nada. Comer andar escovar os dentes limpar a bunda fazer bem ou mal pra ninguém que cada um só quer ver as coisas do seu jeito. Cada um só quer dizer o que acha melhor porque é bem fácil falar.
Todo mundo responde sua pergunta.
Todo mundo emite uma opinião, apresenta sua questão, justifica seu argumento por que daquela vez eu isso e aquela prima minha porque ele ta sofrendo demais eu acho mesmo que essas coisas levam tempo e de repente ele é só mais um deles com suas repetições e ela está sozinha de novo e nem ela faz sentido.

Ela que é uma arma de destruição em massa engatilhada não sabe onde mirar.
Parece engano, parece certeza, parece verde, às vezes respira.

Eles (ele ela ele elas) quem determinam as viradas. Que podem flexibilizar ou tencionar. É um jogo que se reinventa o tempo todo.
Amo a frase final do “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” Ela diz: “Eu sou só uma garota com uma cabeça bagunçada procurando alguma paz de espírito”. E ele fala: “Ta bom”

Tem horas que penso "eu sou só um cara com uma cabeça bagunçada procurando alguma paz de espírito"

E preciso eu falar pra mim mesmo: "Tá bom"
Relaxa

17.11.14

24.7.14

Coragem

"Penélope controla o tempo: tece a trama da eternidade,  
Ulisses controla o espaço: monta a imagem da totalidade.  
Dois estilos complementares da vontade de absoluto: imobilidade morna e melosa, mobilidade fria e seca. É a mesma esterilidade. Uma só neurose: equilíbrio homeostático. Medo de viver. Vontade de morrer.

"http://territoriosdefilosofia.wordpress.com/2014/06/07/amor-o-impossivel-e-uma-nova-suavidade-suely-rolnik/


12.4.14

Não existe humanidade sem humano (e vice-versa) [ou] Apocalipse Digital


Eu entrei no metrô depois de um dia cansativo.
Estava saindo de uma performance na qual havia uma cena em que os atores andavam pelados com tablets tapando o sexo, a bunda e os seios.
Nesses tablets eram exibidas imagens diversas de violência: briga de torcida, confusão na rua, agressão domiciliar, ufc, polícia batendo em manifestantes, torturados pela ditadura.
Uma provocação sobre o que choca mais as pessoas.

Eu trabalhei nessa performance, havia escolhido várias das imagens violentas e isso tinha me deixado com a atenção voltada para esse tipo de coisa.

Talvez por isso eu tenha notado tão rapidamente a imagem de um rosto ensanguentado na tela do celular de uma pessoa que estava do meu lado no metrô.
Movido pela curiosidade de quem havia passado a manhã procurando imagens desagradáveis, olhei melhor para ver do que se tratava.
Para o meu desgosto, o engravatado ao meu lado (um rapaz como eu, da minha idade mais ou menos) estava vendo um vídeo que mostrava um homem deitado no chão agonizando, com o rosto destroçado e ensangüentado.
Eu não conseguia entender o que havia causado aquilo, o vídeo estava em close na cara do sujeito, às vezes dava uma afastada e mostrava um pneu de uma moto, imaginei que ele havia sido atropelado pela moto, mas como a cara dele estava destruída daquele jeito?
Olhei para o dono do celular de leve, ele olhou na minha direção e desviei o olhar.
Voltei meus olhos para a tela novamente.
O sangue que brotava com força daquela cara desfigurada borbulhava pela respiração descontrolada do sujeito, o que mostrava que ainda havia vida.
Parei de olhar.
Comecei a ficar enjoado com aquilo.
Olhei de soslaio para o dono do celular, ele continuava entretido com o vídeo.
O braço esquerdo dele estava levantado para segurar a barra do metrô e cobria seu rosto, então não pude ver a expressão que ele fazia vendo o vídeo. Notava apenas que ele parecia tranquilo e seguia interessado, não desviando o olhar com a cabeça como eu me sentia compelido a fazer.

Sou desses que adora filme de ação e de terror dos velhos tempos, quando decepavam o braço de alguém e dava pra notar o braço do ator dobrado escondido por dentro da roupa, ou quando a pessoa sofria um corte e você via a maquiagem com resina. Também sempre gostei de coreografias de luta.
De alguma forma sempre admirei o esforço dos cineastas para colocar isso nos filmes e me divertia com a tosquice de alguns efeitos, acompanhava como eles iam ficando melhores.
Em contrapartida, nunca gostei de ver vídeos de morte e violência reais. Não gosto de ufc, faces da morte, levei mais de um mês pra criar coragem de ver o vídeo da penitenciária de Pedrinhas e evito esse tipo de material. Ver violência real infligida sobre um ser humano real não é algo que me deixa feliz.

O problema foi quando os efeitos especiais do cinema ficaram bons demais.
Dois exemplos pra mim são a cena do extintor na boate no filme “Irreversível” e a cena da garrafa nas mãos do capitão, no “Labirinto do fauno”.
Essas são duas cenas que me incomodaram muito, pela brutalidade e verossimilhança.

O que nos leva de volta ao vídeo no metrô.

Havia passado uma estação.
Tomei um ar e voltei a olhar para a tela do celular.
O sujeito continuava agonizando, a câmera havia se afastado um pouco e era possível ver algumas pernas de pessoas que estavam de pé em volta do sujeito desfigurado.
Gritei em pensamento:
Por que ninguém faz nada?!?

Parei de olhar para a tela. Respirei fundo.
Comecei a repassar as minhas aulas do curso de primeiros socorros que fiz ano passado.
Ok. O que eu poderia fazer se estivesse ali?
Estabilizar a cabeça dele? Eu não saberia por onde segurar direito, o negócio tava bem feio.
Conter a hemorragia? Ele tinha uma fratura profunda na face e não havia como aplicar pressão.
Virar ele de lado? Em caso de fratura o melhor é não mover a pessoa.
Fui esgotando as possibilidades sem achar soluções, enquanto no vídeo o sujeito movia molemente a cabeça e um braço, de um lado para o outro, como quem está confuso e meio atordoado. Sua mão aberta se movia lentamente.
Sempre muito sangue.

Desviei o olhar de novo e sentia um enjôo muito forte, me perguntei como o cara ta vendo esse vídeo de boa?
Ainda não conseguia olhar pra cara do dono do celular.
Olhei para a tela de novo, a câmera mostrava outro celular, também filmando a agonia do sujeito, era possível notar pelo menos umas 5 pessoas em torno dele.

Um pensamento mais forte do que “por que ninguém faz nada?” me pegou: eles estavam fazendo algo. Eles estavam filmando. Era essa preocupação deles. Registrar em closes o momento de agonia do cara.

Em determinado momento o vídeo acabou.
Não consegui entender se foi porque o sujeito havia morrido ou se porque o registro se tornara desinteressante (afinal, não acontecia nada de novo, só agonia se estendendo e sangue brotando).
Ao término do vídeo, o dono do celular passou por umas mensagens no whats app (aparentemente recebeu o vídeo por lá). Trocou o braço que segurava a barra e pude ver um semblante tranquilo. Depois olhei pra frente e vi meu reflexo no vidro, olhos arregalados, queixo caído, cenho franzido.
Olhei pra baixo.
Respirei.

Pensei na curiosidade ou prazer que moveu as pessoas que filmavam cena. No prazer que o cara que assistia devia estar sentindo.
E fiquei muito triste.
Chegou minha estação, fui saindo do vagão e puder ver uma tatuagem no braço direito do dono do celular, uma cruz meio estilizada, mas aparentemente cristã.
Fui subindo as escadas um pouco atônito.
Foram duas estações apenas (entrei na São Bento e desci na Tiradentes), o que dá aproximadamente uns 4 minutos naquele horário.

Inconformado eu pensava: Um cara dedicou pelo menos 4 minutos de atenção exclusiva e plácida para ver um vídeo no qual outras pessoas dedicaram pelo menos 4 minutos para registrar o sofrimento intenso de outra pessoa, sem fazer mais nada.

Saí da estação e segui caminhando na rua.

Por que ninguém fez nada?, sangue, mais um passo, o que daria pra fazer?, celular assistindo, pensava na agonia e na solidão do sujeito, muito sangue, o que eu faria?, celular filmando, meu peito aperta, já deviam ter chamado uma ambulância, roda da moto, mais sangue, qual seria o nome do vídeo? mais sangue, morte chocante? close no rosto destroçado, vários celulares, meu estômago embrulha, pernas ao redor, em caso de hemorragia, qual o prazer em assistir isso?, a mão dele se movendo molemente, olha que da hora esse maluco agonizando, mais sangue, outro celular filmando, o que eu podia fazer caralho!, engravatado com a cruz, ele tava morrendo, outro passo, mais sangue, pessoas em volta, o ar borbulhando, qual o prazer em mandar esse vídeo?, lágrimas ardendo no canto dos olhos, rosto arrebentado, mais sangue, outro celular, pernas, rosto, sangue, mãos, celulares, sangue, agonia, sangue, mão, sangue, mão, celular, mão, sangue, mão, mão, mão, por que ninguém segurou a mão dele?!?

Pelo menos isso.
Por que ao invés de filmar alguém não abaixou e segurou a mão dele?

Buzinada leve.
Estou quase no meio da rua e um carro passa do meu lado, sai da minha frente que eu quero passar.

É como se a realidade me desse um puxão e falasse: Cauê, não faça essa pergunta.

Porque eu sei a resposta e ela só me deixa mais arrasado e com medo.

Porque eles não se importam.

Porque vivemos num apocalipse digital muito pior que o apocalipse zumbi do cinema.

O cidadão comum foi aprendendo e gostando de enxergar o outro através do enquadramento de uma tela.
E nós aprendemos que o que acontece numa tela não é real.
Ao se deparar com algo real que desperta algum interesse ou curiosidade, logo o cidadão comum saca sua mídia para colocá-la como anteparo entre ele o mundo.
pra defendê-lo do mundo real e ao mesmo tempo inseri-lo na grande rede de registro e compartilhamento em massa.
Assim, a troca de imagens (e não o contato humano) faz o cidadão se sentir parte do mundo.

O outro só é notado se puder se tornar uma imagem pra nos entreter.
E não precisa ser outra pessoa inteira, pode ser só uma parte.
Interessa a fratura na cara com muito sangue e não o ser humano inteiro por trás da fratura, que sofre, que tinha desejos, medos (“isso é muito complexo, vamos nos ater à fratura exposta”).

A revolução digital/virtual faz com que as pessoas se relacionem somente com as metonímias umas das outras.
Apenas com a parte que satisfaz a curiosidade ou o prazer.

Era alguém. Alguém que morria.
Cercado de gente e só.
Não havia o que se pudesse fazer.
Ia adiantar de alguma coisa segurar a mão dele? Chorar por ele na hora?
Dar-lhe um beijo?

Sei lá.
Ao meu ver, filmar e transformar 
a agonia do sujeito num produto só deixou seu sofrimento mais solitário
Menos humano.

Ao ser consumido pelo virtual e cuspido do outro lado em forma de dados ele foi expulso da humanidade (e ela lhe foi negada)
Um processo simples e ao alcance de todos.


Quando foi que paramos de nos importar?

Voltaremos a nos importar?

Continuo andando.
Medo e tristeza.





2.1.14

Heresia com Heráclito [ou] Algo que permaneça

“Um homem não pode entrar no mesmo rio duas vezes”
Ok, básico.
Muda o rio, muda o homem.

Final de 2013.
Iporanga - PETAR.
Minha primeira casa.


Depois de uma trilha de três horas na mata fechada (trilhada pela última vez 7 anos atrás), conforme ditou o filósofo, outro eu entrou em outro rio.
Mas fui obrigado a admitir: Diante de nós dois (rio e eu) estava algo que permanecia, de alguma forma, imutável.

Ao chegar diante do portal de entrada da caverna Casa de Pedra tudo para por um instante.
Movimentos tectônicos, pangeia, asteróides, apocalipse, são apenas fantasias distantes ao olhar para aqueles 215 metros de abertura na pedra, no meio de uma montanha.
(se você for ruim de medidas, essa foto pode ajudar a entender)

A boca da caverna se apresentava eterna, comparada a minha finitude.

Pelo menos durante o tempo abarcado pela minha vida, a de todos que conheço e a de todos que virei a conhecer, ela sempre esteve e sempre estará.

E eu - orgulhoso por me considerar maleável como a água, apaixonado como o fogo, vivo como a madeira, viajante como o vento - fiquei triste por não achar em mim característica identificável com as pedras.
Por não enxergar em mim a permanência.

Naquele lugar, ao fazer um balanço desse ano cheio de trabalho, no qual terminei duas relações, me senti incompetente na habilidade de permanecer.

Claro, muitos elementos na minha vida permanecem.
O violão, o fascínio pela cor verde, o teatro, a tendência workaholic, a dor no joelho esquerdo... Também fiz descobertas que me esforço para que permaneçam: o Aikidô, a importância do silêncio, o corte do leite.

Mas além do que é “meu” (do que é detalhe ou muito individual), que alteridade eu permito/desejo que permaneça na minha vida?
Senti-me um pouco derrotado pelo meu ego, quando não achei resposta satisfatória.

Talvez esse desejo de permanência seja a maturidade chegando.
Talvez seja por estar cada vez mais presenciando indícios da passagem do tempo (as crianças crescendo, os velhos morrendo, as cidades mudando), talvez seja nostalgia, saudade de quem fiz partir, ou tudo junto.

Aí vem um grego ou um budista falar que é assim mesmo, a única coisa que nunca muda é que estamos sempre em transformação.

Sim eu sei: na real nada é de fato permanente.
A caverna não foi sempre daquele jeito, talvez um dia o planeta rache no meio.
As amizades, mesmo as vitalícias, estão sempre sujeitas a transformações.
Temos que encontrar a “constância dinâmica” das coisas.

Ainda assim, senti falta da sensação de permanência.

Quis ser um pouco mais rocha.
(E isso não tem nada a ver com ser cabeça dura - algo que sei fazer muito bem).


Talvez eu precise me inserir mais naquilo que me cerca e que me transcende.

Arriscar/aceitar/entender que a permanência, assim como o que é mutável, demanda mais do plural do que do singular.
(Não se afirma a permanência com apenas um recorte)

...

Talvez, pra me acalmar um pouco, eu faça uma tatuagem.
Quem sabe me entendo com os meus contratos.

Enquanto nada se desenlaça, aperto na mão uma pedra que trouxe do portal da caverna, lembrança de algo que perdura e que é mistério.
Pra me (des/)estabilizar um pouco.
O que for melhor.



7.9.13

(En)Luto

Dia de sentir o coração pequeno.
Dia de entristecer com a estupidez e violência.
Dia de segurar o choro.
Da crença doer.
De ter que dizer não, pra não dizer um “sim” sem fibra.
Dia de sentir o coração pequeno.