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17.3.11

Mais um dia em que durmo depois das 2 da madruga...

Então, fui correr.
Sair um pouco do eixo trabalho-cama.
Ok, até que tenho feito bastante coisa, mas isso é o que fica.
Trabalho em Barão Geraldo das 9h às 18h de segunda a sexta (mais informações: lumeteatro.com.br) e estou em cartaz de sexta a domingo em Sampa (mais informações: teatroacidental.blogspot.com).
Bom... o trabalho da semana ta sendo meio das 10h às 20h na real. É que as coisas tem rendido mais a partir das 17h, então vou ficando (tenho essa tendência workaholic desde o colegial). Aí fico agitado, durmo tarde e não tenho pique pra acordar às 8h35 (moro a 1 minuto de bike do trampo, descida, da pra ir dormindo se bobear)
Aí, viagem na sexta (saio um pouco mais cedo), montar cenário às 18h, peça às 21h, desmonta cenário, repete o processo no sábado, repete no domingo (mudando os horários pra 17h30 e 19h), volta pra barão domingo ou segunda e aí, toco o trampo.

Ta dando uma canseira.

Explico: meu trabalho exige muita concentração e planejamento, dividir tarefas entre as equipes, fazer contatos com diversos lugares, vender o peixe e tal. E a peça em cartaz é razoavelmente puxada fisicamente. 
Fazer essa sequência sem pausa ta matando o peão. 
Meu próximo dia de descanso está previsto pra 16 de abril. Acho.
Então, to nessa correria de segurar as pontas.

Então saí do trampo às 20h hoje e fui correr. 
Não só correr, na real. Fui até a Unicamp, arranjei um bosque e dei uns chutes, uns socos, fiz uns saltos, rolamentos, treinei espada, cortei uns galhos secos. O básico pra lembrar que to vivo. 
Ok, você deve estar se perguntando: “O cara ta reclamando de cansaço e vai fazer um troço desse? Tem mais é que morrer de trabalhar mesmo”

É. Cansa. Mas também “constrói” energia. Essa uma imagem que uma professora usava na faculdade: Aula de danças brasileiras. Quatro horas dançando sem parar. E ela falava sobre como podemos dançar e juntar energia ao invés de dispersar. Sem a necessidade de parar.
E pra mim foi meio isso. Me senti muito bem depois desse “treino” que fui fazer. 
“Claro”, diriam alguns, “atividade física libera endorfina e você sente prazer” (ok, só eu diria isso...)
Mas pra mim, o que aconteceu foi que eu cutuquei um pouco o guerreiro.
Essa “energia” (vamos chamar assim) pode ter diversos nomes: Yang para os chineses, Leão, para Decroux, Dragão pro Clã Kanagawa, Seu Capoeira, pro Mestre Jaça, e por aí vai.
No momento me convém chamar essa “energia” de guerreiro.

Faz alguns anos que sou obcecado por um texto chamado O Horácio do Heinner Muller.
De tempos em tempos, me empolgo com idéias de como montá-lo. (Pretendo fazer um espetáculo solo). Pra resumir bem: no texto somos apresentados ao Horácio, um guerreiro romano que vence e mata o campeão de uma cidade rival, fazendo Roma reinar. Logo após ele mata sua irmã por ela ter chorado a morte desse adversário (que era secretamente seu noivo). Após ser autor de um grande ato de glória e de um grande ato de crueldade, começa a ser julgado pelo povo: ele deve ser condecorado como herói ou punido como assassino?

Essa discussão tem muitos desdobramentos e me fascina há um bom tempo.
Ultimamente ando enfiado até o pescoço no trabalho e como não vou participar ativamente da montagem do novo espetáculo da minha Cia - por não ter muito tempo para encontrá-los - quero montar o Horácio. Como uma válvula de escape, para manter vivo meu trabalho de ator.
E pra isso estou precisando ativar esse guerreiro.

Ao mesmo tempo que é fisicamente extenuante, é algo muito necessário, urgente.
Ontem tive uma conversa com um grande camarada sobre a necessidade de ter um corpo “esperto” ou “desperto” para o mundo. Não deixar de estar atento ao que passa pela sua frente. E ando com muita dificuldade de manter essa atenção “desperta”. Acho que é por que o guerreiro está dormindo. Quando nosso guerreiro dorme, o corpo não tem forças pra nada.

O trabalho diário, ligado ao mercado, nos anestesia para o mundo. Mesmo as apresentações de fim de semana começam a se tornar menos vivas, por estarem diretamente ligadas a uma mercado-lógica. É preciso uma postura ativa para criar fissuras nessas atividades, que permitam um encontro com o que realmente me dá tesão nessa tal vida de artista.
Claro que apresentar o Mahagonny me dá tesão, gosto muito da nossa encenação. Produzir o Lume também é um puta aprendizado, amo a “família Lume”. Mas como diz o personagem principal de Mahagonny: “Falta alguma coisa”

Ando em crise com essa arte que consiste em esperar que as pessoas venham ao teatro, ou a galeria para que possamos trocar algo. Ando precisando de algo que vá até as pessoas que normalmente não vão ao teatro, que não esperam ter suas vidas invadidas por uma outra lógica, uma poesia, um trovão.
É preciso fazer arte para “destruir suas leis e derrubar os seus muros”.
É preciso desconstruir a própria arte.

O espetáculo que mais tenho tesão de fazer nos últimos tempos ( e que não faço faz um bom tempo...) foi meu espetáculo de formatura da Unicamp: “Macacos me mordam”.
Nele eu me questiono sobre a própria forma de teatro que estamos acostumados a ver e fazer.
Faz muita falta trabalhar e apresentar essa peça. Deixar meu ser entrar no estado “macacos me mordam”.  
Um misto de urgência física de falar certas coisas, sem um discurso certinho, linear, ou mesmo verbal; lutar para dar cada passo e depois me largar no chão, não levar essas coisas tão a sério. Dançar a dança do desajuste. Me agarrar a destruição, se é isso o quê nos resta.
“Muita gente nunca usa a iniciativa porque ninguém nunca mandou” (livre tradução de uma frase de Banksy, um dos “combustíveis” do espetáculo).

Preciso dar vazão à minha iniciativa. Sofrer menos com algumas coisas, tentar simular menos alguns quereres. Ando meio sem medida pra gente. Não tenho conseguido conversar com muitas pessoas, tocar muitas pessoas. Ultimamente tem um pequeno punhado de pessoas onde encontro eco ou conflito pras minhas inquietações.
A culpa é minha também. Acho que não estou ouvindo os outros. Minhas angústias não são únicas e exclusivas. “Vai por mim que há muitos como eu”. Eu que preciso me achar pra botar meu bloco na rua.

Enquanto sigo nesse processo, tenho que continuar caminhando.
Lavar roupa, conferir se Brasília recebeu o e-mail, tomar uma cerveja, ouvir notícias do Japão,ver se a Luna tem ração, saber a cotação do euro, afinar a guitarra, dar uma grana pros meus pais, ser cordial em duas ou três línguas, passar desodorante, acertar a intenção do texto, transar e tentar entender o amor, matar pernilongos, distribuir tarefas, comer e não parar de sonhar (por falar em sonho, preciso terminar o Freud)