Páginas

2.1.14

Heresia com Heráclito [ou] Algo que permaneça

“Um homem não pode entrar no mesmo rio duas vezes”
Ok, básico.
Muda o rio, muda o homem.

Final de 2013.
Iporanga - PETAR.
Minha primeira casa.


Depois de uma trilha de três horas na mata fechada (trilhada pela última vez 7 anos atrás), conforme ditou o filósofo, outro eu entrou em outro rio.
Mas fui obrigado a admitir: Diante de nós dois (rio e eu) estava algo que permanecia, de alguma forma, imutável.

Ao chegar diante do portal de entrada da caverna Casa de Pedra tudo para por um instante.
Movimentos tectônicos, pangeia, asteróides, apocalipse, são apenas fantasias distantes ao olhar para aqueles 215 metros de abertura na pedra, no meio de uma montanha.
(se você for ruim de medidas, essa foto pode ajudar a entender)

A boca da caverna se apresentava eterna, comparada a minha finitude.

Pelo menos durante o tempo abarcado pela minha vida, a de todos que conheço e a de todos que virei a conhecer, ela sempre esteve e sempre estará.

E eu - orgulhoso por me considerar maleável como a água, apaixonado como o fogo, vivo como a madeira, viajante como o vento - fiquei triste por não achar em mim característica identificável com as pedras.
Por não enxergar em mim a permanência.

Naquele lugar, ao fazer um balanço desse ano cheio de trabalho, no qual terminei duas relações, me senti incompetente na habilidade de permanecer.

Claro, muitos elementos na minha vida permanecem.
O violão, o fascínio pela cor verde, o teatro, a tendência workaholic, a dor no joelho esquerdo... Também fiz descobertas que me esforço para que permaneçam: o Aikidô, a importância do silêncio, o corte do leite.

Mas além do que é “meu” (do que é detalhe ou muito individual), que alteridade eu permito/desejo que permaneça na minha vida?
Senti-me um pouco derrotado pelo meu ego, quando não achei resposta satisfatória.

Talvez esse desejo de permanência seja a maturidade chegando.
Talvez seja por estar cada vez mais presenciando indícios da passagem do tempo (as crianças crescendo, os velhos morrendo, as cidades mudando), talvez seja nostalgia, saudade de quem fiz partir, ou tudo junto.

Aí vem um grego ou um budista falar que é assim mesmo, a única coisa que nunca muda é que estamos sempre em transformação.

Sim eu sei: na real nada é de fato permanente.
A caverna não foi sempre daquele jeito, talvez um dia o planeta rache no meio.
As amizades, mesmo as vitalícias, estão sempre sujeitas a transformações.
Temos que encontrar a “constância dinâmica” das coisas.

Ainda assim, senti falta da sensação de permanência.

Quis ser um pouco mais rocha.
(E isso não tem nada a ver com ser cabeça dura - algo que sei fazer muito bem).


Talvez eu precise me inserir mais naquilo que me cerca e que me transcende.

Arriscar/aceitar/entender que a permanência, assim como o que é mutável, demanda mais do plural do que do singular.
(Não se afirma a permanência com apenas um recorte)

...

Talvez, pra me acalmar um pouco, eu faça uma tatuagem.
Quem sabe me entendo com os meus contratos.

Enquanto nada se desenlaça, aperto na mão uma pedra que trouxe do portal da caverna, lembrança de algo que perdura e que é mistério.
Pra me (des/)estabilizar um pouco.
O que for melhor.