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19.3.12

Das liberdades


17/03 - 19h

Eu aqui.
Sentado no parquinho.
No meio da cidade, fim de tarde.
Junto comigo, um menino, de uns 5 anos.
Eu sentado no balanço e o menino pulando as poças de lama da chuva que passou.
Acendo um cigarro de prosa, pro tempo passar. Atendo o telefone que toca algumas vezes pra falar de trabalho.
O menino, sem medo, sobe no trepa-trepa, arrisca ficar de ponta cabeça, com uma habilidade natural.
“Relaxa" ele me diz, balançando os braços, pendurado pelas pernas.
"Eu to relaxado", resmungo baixinho.
Ele dá uma risada leve e vira os olhos como quem diz "ok, não vou insistir". Então dá um balanço pra trás, pra frente (põe a ponta da língua pra fora entre os lábios apertados), pra trás e quando volta pra frente segura com as mãos em outra barra mais alta e se iça pra cima. Sobe até o topo do brinquedo.

Eu ensaiando roer unhas, como um hábito que larguei, mas que a memória corporal insiste em trazer de volta. Não chego a morder, mas batuco os dentes, dedo por dedo.
Ele abre os braços e repete "Relaaaaaxa" e ergue os braços.

Esse moleque sabichão, que tem os cabelos bem pretos, riso solto (e não usa óculos), espuleta (mas pacífico), me contempla, fascinado.
"Como você se virava antes, hein? Devia ser ser mó chato!"

Ele tá certo.

Ele é a minha liberdade.

Sabe que eu to tenso porque, enquanto nós estamos aqui no parquinho esperando, você tá num dos prédios ao redor, em trabalho de parto.
Você está parindo a sua liberdade.

E eu, que acompanhei o finalzinho dessa gestação, to aqui ansioso, querendo te apoiar, mas não sei qual prédio é (e as enfermeiras não me deixariam entrar na sala, não sou o pai – não tem pai)
Eu sei que você tá preparada mas dá um aperto a espera.

Espero.

E minha liberdade brinca, esperando também. Eu prometi que a sua liberdade, depois que nascesse, podia vir brincar.

A minha liberdade, que já te conheceu com um barrigão, ficou super feliz ao saber que você queria apresentá-lo ao seu bebê que vinha vindo.

Claro que, como eu disse, é um recém-nascido, não vem ao mundo já todo serelepe. Apesar desse troço de parir liberdade ser uma coisa de louco.
Acontece às vezes da bichinha já nascer andante, falante. Outras vezes demora pra socializar.
Eu tocava a tua barriga e a sua liberdade já chutava forte, dando sinais de que queria logo passear.
Na última vez que nos vimos eu não imaginava que seria assim, de repente você me liga, em trabalho de parto, dirigindo pro hospital no meio da chuva.

Então eu peguei o moleque e corri pra rua pra esperar você ligar.

E eu sei que trabalho de parto pode ser demorado.
Já acompanhei alguns, li sobre outros tantos.
O ruim é essa sensação de que não há o que fazer pelo outro. Agora a pessoa está por conta própria.

Meu menino me lembra disso e eu, já no terceiro cigarro de página repito pra nós "Eu sei, eu sei..."

"Será que ela vai ser bonita? Ou será que vai ter cara de joelho?" eu pergunto
E ele, descendo pelo escorregador "Que pergunta beeeeeesta! Vai ser linda. Como sempre são. Se você achar que tem cara de joelho e isso for um problema, vai ser problema seu!"

"Ela tem que ter a cara da mãe", expiro. "Você não fica ansioso?" eu pergunto.
Ele sorri e dá de ombros. Comenta enquanto sobe num balanço: "Que bobo, você..."

Hunf... eu penso em responder, articulo uns argumentos quando ele completa:
"Se ela não vier eu te pago um sorvete."
"Eu não quero um sorvete!" Quase grito
"Então relaxa!" Ele não ergue a voz. Apenas a enche de autoridade.
Autoridade de uma criança que sabe o que diz. Que sabe como são as coisas. Que só quer brincar.

Respiro um pouco.
Me acalmo.

No final do quarto cigarro de história, imagino eu e você num parque, levando nossas liberdades pra um passeio.
Nós dois caminhando e as duas rolando na grama, jogando terra no cabelo uma da outra, se divertindo antes do pôr-do-sol.
Sorrio com o pensamento.
Relaxo.
E espero...

20h26