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1.3.12

Preâmbulo metalinguístico


Nos últimos tempos eu andava sentindo um desconforto em escrever crônicas.
Isso era decorrente de uma série de transformações pelas quais tenho passado nos últimos meses.

Tenho trabalhado em transformar o conceito de “amor” na minha vida.
Forcei-me a escrever mais poesia, tentando fugir do formato racionalizante da crônica e tentando ser mais selvagem, intuitivo, sensorial. Em suma, menos cabeçudo.
Exatamente as mesmas transformações que buscava trazer para os meus sentimentos.

O desejo de operar tais mudanças no meu modus vivendi nasceu, em grande parte, de uma enorme ferida amorosa e também de um período de pouca clareza do meu fazer artístico.

O tratamento para a ferida amorosa passou pela massoterapia, o contato com o livro “Ame e dê vexame” de Roberto Freire, bons encontros comigo e com outros e, mais tarde, a própria retomada das rédeas da arte na minha vida.

Uma das minhas características que veio à tona no processo de cura foi a capacidade que minha razão tem de me pregar peças. Muitas vezes me pego agindo (embasado por uma suposta racionalidade) de formas que só ferem o amor (meu pelos outros, dos outros por mim e meu por mim mesmo)
Logo mais eu vou falar sobre que “amor” é esse.

Na tentativa de expurgar os racionalismos que me atrapalhavam de viver um amor mais leve, acabei me afastando um pouco das crônicas, buscando a fluência da poesia, seus mistérios e sua incerteza.
Levei isso inclusive para o meu trabalho em cena, me sentido mais confortável na dança do que na representação.

Acho que agora finalmente me sinto a vontade pra voltar desse mergulho – sem sair dessas águas.
Depois de vivências escritas e amorosas que me levaram a transitar fora da minha zona de conforto, volto a escrever agora de um lugar que me é familiar (mas não por isso seguro – como um escalador acostumado com o Everest. A montanha não se torna dócil só porque já foi escalada mais de uma vez)

Um dia desses estive numa palestra do músico José Miguel Wysnick, na qual ele falou sobre o desafio que havia se proposto quando, a convite do jornal “O Globo” do Rio de Janeiro, passou a escrever uma crônica por semana.
Ele falou sobre seu prazer no formato da crônica, em poder falar sobre coisas que não estão ligadas aos meios de produção.
Enquanto a notícia se produz e se vai com violenta velocidade (afinal de contas, ela só se sustenta enquanto for news), a crônica é um recorte no tempo, um espaço para a filosofia no cotidiano.
Ao mesmo tempo, é um desafio falar não só do que já é senso comum, só do que está pronto.

Fiquei admirado com essa determinação em se desafiar retoricamente e, como depois de superadas minhas crises tenho vivido momentos de me propor desafios (triátlon, poliamores, nomadismos), achei por bem voltar a escrever crônicas, sem medo da razão.
Abraçando essa minha forma de expressão tão querida.

Admiti que minha poesia habita minhas crônicas (não que ela não dê seus passeios fora de casa, mas aqui ela tem um aconchego todo dela, sai espontânea e corre por aí), e agora pretendo começar uma nova fase de escrita.

Acho que é isso.
Preâmbulo concluído.
Vamos ao que interessa.