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13.1.11

Tempo de chuva (com muitos apartes)

22h41 - quarta-feira

Voltando de uma janta em minha antiga casa da moradia estudantil.
Foi quando me vi diante de um daqueles clássicos momentos decisivos:

Virar à direita e voltar pra casa? (que, graças a minha futura e incerta mudança, está sendo pintada e exala um agradabilíssimo cheiro de tinta, tíner e amônia – Crianças, cuidado com tinta acrílica que fica muito tempo no sol!)

ou

Virar à esquerda e dar uma volta de bike pela noite de Barão Geraldo?

Eu estava levemente inclinado à esquerda (como me convém).
Afinal, vagar por esta terra de janeiros desertos tem suas vantagens, vez por outra se tromba com  algum grande amigo também solitário ou, no mínimo, o vagar dá um cansaço que me ajuda a pegar no sono (aliás,  na atual conjuntura, sempre é lucro usar algum truque pra encontrar com Hipnos e Morfeus, que parecem ter esquecido que tem um cliente na Rua Maria Bicego, 221 B, quarto da esquerda).

Bom, já tava quase decidindo quando caiu uma leve precipitação. Leve não. Suave. Um punhadinho de água. Como que dizendo: “Escolhe aê maluco, mas fica ligado que vai cair um toró e eu tô te dando um boi, dá tempo de correr pra casa e ficar sequinho, jão”.

Em algum momento entre o segundo e o terceiro pingo que caiam sobre meu braço resolvi mandar à merda o deserto de meu cubículo, virei a bike para a esquerda e fui ser selvagem entre árvores e esquecimentos... digo, desci a ladeira.
Pedalei debaixo de grandes gotas gordas (com direito a aliteração), que não tinham nenhum parentesco com a aguinha (antes já era sem trema? Que estranho!) que haviam borrifado em mim pouco antes.

Num claro exemplo de “já que lá tá, que lá teje” fui de braços abertos de encontro a chuva que caía – acho que a trigésima quarta do dia (mas essa não viria seguida por um sol de rachar, como as primeiras vinte e cinco de hoje, ou haveria algo muito errado). Lembrei daquele mito (comprovado) de que você se molha mais correndo do que andando na chuva. Então pedalei mais forte. Pra me encharcar.

Chuva, chuva, chuva. 
Aquela história de lavar a alma, sabe? Nem foi um temporal, mas foi farta.


Eu amo chuva, ver chuva, tomar chuva. Quem me conhece um pouquinho já sabe que não tenho problemas em me molhar, converso de fora dos toldos e não me incomodo desde que eu não tenha comigo algum livro, revista ou caderno. Ando horas debaixo de chuva e só me dou conta de que isso não é muito comum quando chego na casa dos camaradas e eles dizem “porra, veio nadando? ”

Só que começa a ficar... engraçado, quando você tem 4,25 de miopia e sai de casa pra andar de bicicleta, à noite, na chuva, de óculos.

Sabe aquela fala clássica que todo mundo que usa óculos, um dia vai lançar : “Devia ter um para-brisa na lente, eerr rs rs” Juro que não pensei nisso. Mas o mundo fica bem psicodélico atrás de umas lentes molhadas em alta velocidade com carros vindo na sua direção, e isso te deixa num estado diferente. O milagre da refração da luz na água faz com que um semáforo mudando de fase vire um caleidoscópio!

Diante desse misto de sensações – corpo molhado, vento, velocidade, visão no modo “lucy in the sky” – sorri.

Pensei “Pô, se esconder da chuva não tá com nada.”

Depois de um tempo de chuva, pit stop numa banca, voltei pra casa, banho quente com a luz apagada. E me pus a escrever.

Ontem encontrei um camarada que eu não via faz tempo e conversamos por horas sobre teatro, literatura, política e vi o quanto ando estático, sentado. Tenho ficado só no meu umbigo faz um tempo. Meio anestesiado pras gotas de chuva (hehe, nesse exato momento voltou a chover sobre meu telhado, gotas gordas e espaçadas, tipo “Estamos aqui, sabemos que você tá falando de nós” e crescendo, crescendo).

To precisando olhar pro mundo, ver gente. Juntar gente e fazer arte com as minhas mãos. A chuva (agora já voltou com tudo! Opa passou... voltou!) me faz lembrar de outras chuvas. As melhores sempre tem mais gente junto (e nem todas são sacanagem, vide aquela chuva que tomei sentado num sofá verde limão, sobre a caçamba de um carreto  jogando supertrunfo dos cavaleiros do zodíaco com um irmão da vida, em meio a avenidas de São Paulo).

E dessas chuvas conjuntas sempre me lembro que é bom estar perto de gente, compartilhar motivos pra sorrir em conjunto. Ok, momento auto-ajuda. Mas é real!
E é importante lembrar de prestar atenção no outros, se juntar com os outros pra ter idéias e realizar coisas, por mais óbvio que isso devesse ser para  o pretenso artista que sou.

A chuva passou.
De novo.

Escrever esse relato, nesse mural virtual (que juro tentar não transformar num muro das lamentações, mas num muro de Berlim, caído, que não prende as coisas, mas é um símbolo de libertação) é um dos artifícios que estou começando a usar pra conseguir voltar a me comunicar mais, lembrando que não preciso ter medo de ser incompreendido ou compreendido (logo nu - olha a neura!).

Dito isso, bora fazer 2011 acontecer.
Juntar ideias pra botar meu bloco na rua.
Um passo de cada vez.

E tá dito, 2011 é o ano do reencontro.
Que venha a chuva.